17 junho 2007

heat boteco

chegou sentou-se e sobre a mesa um forro azul estampado em flores desenhadas em trêmulos traços o fez sorrir sozinho um sinal um cigarro um copo molhado a garrafa aparentando gelidez o vento corta a alma e dobra a esquina do posto de gasolina e dói de frio gesticulou enquanto discursava mentalmente por frases tão raras - tão rara a menina pensou a mão à boca e dançando bailarino e feliz entre os dedos outro cigarro o isqueiro é o que encontrara naquele mesmo decrépito paraíso de bar há três semanas ainda a lembrança quente e flagrante-delituosa da imagem da moça em 2D na tevê - sim tevê como pode e num sorriso revelou e mais que isso resolveu a sua frágil condição de idiótico-apaixonado mas preferiu não pensar a palavra pensar a palavra talvez faça a idéia viver paralela à idéia já não se faz entender a si mesmo e as garrafas sobre a mesa agora esboçam companhia um par de rosas da criança vendedora um cinzeiro lotado um guardanapo e as poesias rabiscadas em soneto junkie perdido descendo a ladeira em queda livre lembrou-se da vida que flui da boca da pequena morena transcendental que lhe chamara ainda a pouco de poeta sorriu mais uma vez de coração felicidade genuína e onipresente assim presente lindo e único e de graça até se estranha – vai ver é algum tipo de recompensa e outra que justifica tanta pedra em meu caminho a conclusão vestiu a ambas as mãos um par de lindas luvas loucas inconseqüentes e tão necessárias quanto respirar o que diria o delegado certamente uma questão forense paixonicida neologista crucial solene e fatal como o beijo da morena de olhos ágeis e lábios de fôlego despontuado e o que o polícia diria uma pergunta você matou o bom senso sim eu o matei porque mataste o bom senso porque era preciso ouviste vozes apenas uma e o que dizia que me quer que me quer que me quer tão bem deseja declinar algo mais só o que tenho a dizer ilustríssimo é que não cabem numa mesma mesa de lata o sentimento e o bom senso e há momentos meu caro em que um homem precisa saber o que quer e não se fazem mais mulheres e afetos verdadeiramente unique e entretanto tudo isto inexistiu cogitações esquizofrênicas de um louco varrido por ela que bebe sozinho e fuma sozinho e impregna de saudades o ambiente caótico e entretanto de um sublime e púrpura pacificar deste boteco e do soneto o tal soneto dou-lhes nota derradeiro em pôr-de-sol o último verso:
sozinhos nascemos e morremos e bebemos
nos frios brindes à loucura inconseqüente
assim inerente
a se drogar da plenitude louca-de-jaula
do
amor



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2 comentários:

débora lopes disse...

Uns nunca descem a ladeira
Alguns descem às vezes
Outros descem e sobem


E tem outros que já estão lá embaixo.

débora lopes disse...

E agora que eu sei o roteiro do filme - porque ontem me contaram o roteiro do filme - o texto faz mais sentido e as cenas se encaixam de forma mais bela e muito mais nítida e mais sentido que o filme - se é digno dizer - porque as cenas fazem, sim, sentido - enfim, enfim - mais sentido que as cenas e as coisas e o filme, agora, só eu faço: sentido.